Simbólica na Bahia e no Espírito Santo, a receita da moqueca guarda uma questão polêmica. Os baianos, para alfinetar os capixabas, costumam dizer que moqueca é baiana, o resto é peixada. Já os capixabas consideram a sua moqueca a mais autêntica.
Já viajei em pesquisa no Recôncavo Baiano, que tem um repertório tradicional e diversificado do prato, e pelo litoral do Espírito Santo, onde provei algumas das melhores receitas capixabas. Deixando a rivalidade de lado, e sem fazer média, acho que ambas, quando bem feitas, são excepcionais. Nesse texto fiz uma escolha. Mas ela é puramente editorial. Vou falar apenas da moqueca baiana agora, porque de outro modo não conseguiria me aprofundar em nenhuma das duas. Depois vamos para a capixaba.
Primeiro, é bom visitar a origem da moqueca
O nome é indígena e vem de pokeka (embrulho). Faz alusão à forma como os índios brasileiros faziam seus peixes, embrulhando-os em folha de bananeira com pimenta e colocando o pacote embaixo de cinzas quentes ou brasas. Com o tempo, esse método dava ao peixe o nome de moqueado. Na evolução da nomenclatura – e da própria receita, que pouco guarda da feitura original – o prato como conhecemos hoje acabou virando moqueca, com versões diferentes na Bahia e Espírito Santo.
Sem azeite de dendê, a moqueca baiana não existe
Em geral, os peixes pequenos são os mais apropriados para a moqueca baiana, pois pegam mais facilmente o gosto e cozinham rapidamente. No entanto, poucas receitas brasileiras apresentam tantas variações. E elas não são meras invencionices da modernidade. Desde a primeira metade século XX existem formas diferentes de compor o prato.
O historiador Luís da Câmara Cascudo em História da Alimentação no Brasil, editado em 1960, falava em diversidades de moquecas como de camarões frescos e ostras, de ovos, de carne, de aipim, de miolos, de ovos de peixe graúdo e de postas, de peixe miúdo, de peixe salgado, de repolho, de tomate, de siri e de maturi (caju verde).
Um chef baiano que gosta de expressar essa variedade de moquecas do Recôncavo Baiano é Beto Pimentel, do Paraíso Tropical, em Salvador. Entre suas criações consta a moqueca calapolvo que leva, entre tantos outros ingredientes, camarão fresco e seco, polvo, lagosta, maturi, palmito, leite de coco e variados temperos.
Na cidade de Valença – ponto de partida rumo à bela e turística ilha de Morro de São Paulo –, encontrei uma variedade de moquecas que me deixou impressionada. Na ocasião, ao me fazer provar de feijão, de jaca, de caju (a receita abaixo), de camarão com quiabo e de maturi, a chef Samira Sarmento me fez conferir no paladar o que já dizia Câmara Cascudo. Samira, que na época trabalhava num hotel e hoje faz pratos para festas e recepções, não só cozinha muito bem, como fala com conhecimento de causa das receitas da sua terra. “A moqueca de feijão, por exemplo, faz parte dos pratos do dia-a-dia daqui”, diz. “Também é comum em nosso município e arredores encontrar uma receita de moqueca que leve ingredientes como o mamão verde, o chuchu picadinho ou a banana prata”.
Alguns ingredientes podem parecer um pouco estranhos para uma moqueca, mas ficam deliciosos naquela panela de barro borbulhante e aromática. Ai, que vontade que dá de provar uma delas agora. Rapaiz!
Na semana que vem, vou falar sobre a moqueca capixaba, suas diferenças com relação à baiana e suas peculiaridades. E vamos entender porque há tanta rixa entre os dois pratos, que são receitas emblemáticas dos estados da Bahia e do Espírito Santo.
Moqueca de caju
Rendimento: 4 porções
Ingredientes
15 cajus
2 tomates em pedaços
2 cebolas em pedaços
½ pimentão, sem sementes, em pedaços
2 dentes de alho
5 folhas de coentro largo
5 talos de coentrinho
1 colher (sobremesa) de extrato de tomate
Suco de dois limões
100 ml de azeite-de-dendê
300 ml de água
500 ml de leite de coco
Sal a gosto
Modo de fazer
1. Retire as castanhas dos cajus.
2. Fure inteiramente os cajus com um garfo e esprema-os para que saia um pouco do líquido.
3. Afervente os cajus em água e sal, escorra-os e corte-os ao meio, no sentido do comprimento. Reserve.
4. Passe no liquidificador os tomates, as cebolas, o pimentão, o alho, os coentros, o extrato de tomate e o suco de limão.
5. Em uma panela, de preferência de barro, refogue os temperos liquidificados e introduza o azeite-de-dendê, o caju, a água, o leite de coco e o sal.
6. Cozinhe por aproximadamente 15 minutos, retire do fogo e sirva bem quente.
Fonte site IG